Escola Politeia e EE Anhanguera – entre dois mundos

Em minha vida profissional como educador vivo diariamente em dois mundos.

Sou educador na Escola Politeia e na Escola Estadual Anhanguera. Viver desta forma me traz dificuldades, aprendizados e experiências completamente diferentes. Isto porque uma das escolas é referência numa transformação educacional incipiente, escola de educação democrática, sem aulas, sem turmas, sem relação de castigo, etc. E outra uma escola estadual como tantas outras, com as dificuldades sistêmicas que todas têm, com a luta de classes se expressando no chão da escola, relação forte com o conteúdo, penalização, etc.
Não quero dizer com isso que uma é o paraíso e outra o inferno na Terra, não é isso mesmo (e se fosse eu diria com palavras menos religiosas). Tenho prazer de estar em ambas, mas são prazer diferentes.

Por um lado, discutir teorias educacionais para casos bem concretos de situações de educação, conseguir aplicar minha inspiração freireana, lidar com poucos estudantes e assim conhecer muito bem cada um/uma deles/as. E por outro lado, no estado, atuar no lugar e com quem mais precisa, trabalhar com um número grande de pessoas, entender os mecanismos do sistema e atuar dentro e fora deles, fazer a luta política e a militância, etc.

Neste exato momento estou sentado ao lado de uma das diferenças gritantes entre estes métodos/espaços. Uma pilha enorme de trabalhos para corrigir e diários. O sistema educacional público exige que se tenha duas ou três avaliações de cada estudante por bimestre. Bom, são 10 turmas, 40 estudantes por turma, 400 estudantes, vezes 2 ou 3 avaliações, 800 ou 1200 avaliações no total…
Ah, mas tá tranquilo, os educadores e educadoras contam com a evasão para ter menos avaliações para corrigir. Muitas/os apelam para a famigerada prova, afinal é muito mais fácil que ler um trabalho longo. Bom, como eu já disse em outras ocasiões, eu não dou provas! (para quem quiser saber mais sobre o que acho que significa dar provas clique aqui)

Resta então corrigir esta montanha de trabalhos. Muitas coisas interessantes aparecem nos textos dos/das estudantes. Mas o problema maior vem agora.
Como transformar uma elaboração mental dos/das estudantes em uma nota, um número?
Eis a dificuldade. O sistema em si é meritocrático, carrega a marca profunda do capitalismo, como podemos fugir disso? Como trabalhar neste sistema (já que somos obrigados a classificar os/as estudantes por números) sem reforçar as diferenças que já vêm de berço?
Estou falando dos conceitos de habitus de classe e capital simbólico de Bourdieu… O que podemos chamar de caldo cultural que o estudante traz consigo de casa. Por exemplo. Se peço um texto sobre um filme. De fato um dos trabalhos que eles e elas tiveram que fazer neste bimestre foi assistir um filme e encontrar conceitos de física nele. O trabalho é na forma de textual, então se eu pontuasse pela grafia correta estaria valorizando este caldo cultural, este capital simbólico que o/a estudante pode ter ou não dependendo da sua história de vida. Isto não seria justo com aqueles e aquelas que não tiveram acesso à leitura, não tiveram pais e mães que incentivassem a ler e escrever, etc.

Parece simples a ação de dar uma nota, mas se pensarmos com calma veremos que é uma tarefa dificílima. Não dar nota nenhuma não é uma opção. Percebam que não dar nota não significa não avaliar. Avaliação não é prova, avaliação não é nota!

Em conversas que tive sobre isso surgiu uma ideia. Avalia por presença, ou seja, dê a nota de acordo com a frequência do/da estudante. Podemos questionar, mas o que garante que aquele estudante e aquela estudante que está fora da escola está aprendendo menos que aqueles/as que estão dentro? Afinal o conhecimento escolar é apenas um conhecimento dentre tantos outros possível. Um conhecimento que foi eleito historicamente como melhor, mais importante, mas que, pelo desconhecimento que temos deste processo de escolha já nos faz questionar se é de fato o melhor conhecimento que as pessoas podem ter.

Na Escola Politeia a ideia de avaliação é mais parecida com um filme, não com uma foto. Ou seja, é continua, mostra o processo de cada estudante, diferente daquelas avaliações que retratam apenas um momento. Não apresenta uma nota no final. Temos conversas avaliativas com estudantes, mães e pais e relatórios dos/das educadores/as. Obviamente é uma avaliação muito mais difícil de ser feita, contudo mais próxima do que entendemos como sendo o melhor método de mostrar para os/as estudantes como estão no seu processo de desenvolvimento.
No ensino público de hoje não é possível fazer algo assim. Então não tenho uma resposta para meu (e de tantos educadores e educadoras) problema: como avaliar?

2 comentários

  1. Gostei do texto. Acho que a questão da avaliação realmente deve ser pensada com muito cuidado. Porque se somos obrigados a avaliar segundo uma classificação por notas, também cabe uma reflexão junto aos alunos sobre os valores que estes números trazem, o que isto significa para eles. Talvez propor uma autoavaliação para eles, para que eles consigam dizer sobre o quanto se desenvolveram, quais dificuldades tiveram, o esforço e interesse que tiveram aos desenvolver as atividades propostas.
    Avaliar é uma tarefa sempre difícil. Por tantas vezes eu me sentia como juiz dos meus alunos…
    Se não é possível uma reflexão cuidadosa com os demais professores, acho que o caminho é tentar tornar o processo menos impessoal possível, chamando os alunos a serem parceiros, discutindo e refletindo com eles sobre todo o trabalho.

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