A violência capitalista contra a juventude

Introdução

A violência não é obra do acaso ou fruto de uma pretensa e inerente “maldade humana”, mas fez e faz parte do próprio desenvolvimento histórico da humanidade. É parte intrínseca da luta de classes, mas na prática pode se manifestar de formas coletivas, como nas revoluções e contrarrevoluções ou de formas individuais, geralmente configurando o crime contra a propriedade ou contra a vida de outra pessoa (também uma forma de propriedade). De uma forma ou de outra, ambas são reflexo da sociedade dividida em classes sociais, sob a égide da propriedade privada. Em outras palavras, mesmo a violência individual, o roubo, o homicídio, a agressão são produtos de uma sociedade dividida entre possuidores e despossuídos. 

Para o materialismo histórico e dialético só faz sentido analisar este problema (ou qualquer outro), ressaltando seu desenvolvimento no tempo e relacionando suas motivações, causas e efeitos, a outras estruturas e superestruturas sociais, exatamente o inverso do que faz a maior parte das análises sobre situações que envolvam a violência sofrida ou praticada pelos jovens. Focalizam a situação e buscam as motivações em problemas psicológicos ou mesmo sociais, imediatos. Resultam em falsificações e abstrações, pois não buscam a fundo as raízes do fenômeno. A verdade é que não podem buscar estas raízes, por que chegariam na conclusão de que a violência está na base da sociedade capitalista, baseada na concentração de riquezas incalculáveis em poucas mãos e misérias infinitas em tantas outras.

Neste artigo mostraremos como o capitalismo em sua fase última, o imperialismo, engendra mecanismos impulsionadores da violência, concretizada aqui em sua forma mais brutal, os homicídios, ou, pelos números que mostraremos, genocídio dos jovens. Em seguida apresentaremos uma ampla série de dados sobre a situação juvenil no Brasil, concretizando esta apresentação inicial sobre a destruição física dos jovens, para depois mostrar a falência do reformismo em dar respostas aos problemas da juventude. Concluiremos com a resposta proletária marxista para a luta dos jovens pela transformação do modo de produção capitalista em modo de produção coletivo, socialista, como forma de tomar a história em suas próprias mãos e resolver seus problemas mais sentidos. 

Imperialismo e a política nas semi-colônias 

Ao longo de sua história o capitalismo sofreu modificações fundamentais em sua estrutura. A principal que devemos destacar é a passagem da etapa mercantil, onde prevalecia o livre mercado, para uma etapa que é o seu contrário, onde a livre concorrência não é mais possível, a época dos monopólios. Essa mudança de qualidade traz consigo diversas consequências para a luta de classes. 

O que nos interessa aqui sobre esta fase particular, consiste no elevadíssimo desenvolvimento das forças produtivas, mas que, em choque com as relações de produção (apropriação privada da maior parte da riqueza), se configurou como um freio para o desenvolvimento geral da humanidade. Os dados que apresentaremos aqui sobre a situação juvenil, são parte importante desse processo.

A justa definição do que se trata o imperialismo nos foi dada há pouco mais de 100 anos por Lênin, no seu “Imperialismo: fase superior do capitalismo”, onde deixou apontado os contornos concretos do desenvolvimento capitalista no começo do século XX e que pudemos ver sua concretização e seu aprimoramento nos anos que se seguiram. Destaca-se desta fase a imensa concentração da riqueza e da produção, a fusão do capital bancário com o capital industrial, criando o capital financeiro e a oligarquia financeira, a exportação de capitais, diferente da exportação de mercadorias precedente, a formação de organizações monopolistas de capitalistas e o fim da partilha do mundo entre as potências. É a época das crises cíclicas de superprodução.

Do ponto de vista econômico temos um bom resumo no parágrafo acima. Já do ponto de vista político as potências imperialistas, EUA, Alemanha, França, Japão etc., tem sob seu jugo as colônias e as semi-colonias, ditando suas políticas e sugando suas riquezas. É neste contexto que o Brasil, país semi-colonial, se encontra, variando apenas, de um governo burguês para outro, o servilismo ao imperialismo em geral (multilateralismo) ou para um país imperialista específico (unilateralismo). É também desse ponto de vista que podemos dizer que o imperialismo é uma etapa de revoluções e contrarrevoluções, uma fase marcada pela violência, fruto de sua própria decomposição. O imperialismo é a fase de transição do capitalismo para uma etapa superior. O socialismo. 

Os séculos XX e XXI não trouxeram mudanças de qualidade na definição apresentada acima sobre o imperialismo, mas podemos falar de uma mudança de quantidade. A riqueza mundial acumulada se expandiu e, junto com ela, um amplo processo de monopolização.

A primeira etapa do processo de consolidação do imperialismo se dá pela colonização e busca de novos mercados pelos Estados (tendo por trás as burguesias nacionais). Este processo, posteriormente, se vê esgotado pela limitação dos novos mercados e a incapacidade de seguir desenvolvendo as forças produtivas. O esgotamento faz com que os países imperialistas entrem em choque por uma nova partilha do mundo. As grandes guerras tem suas raízes nestas determinações econômicas. A violência provocada por esses eventos dispensam comentários para além dos números frios: só na segunda guerra mundial mais de 60 milhões de pessoas foram mortas. 

Abre-se um período de recuperação econômica promovido pelo espaço de desenvolvimento das forças produtivas que foram amplamente destruídas com a guerra e com a recessão da década de 30. O PIB mundial na década de 60 girou em torno de 6%. Mas não tardou o retorno das crises de superprodução. O PIB despencou da década de 70 em diante, 4% no começo da década e nas seguintes ficando em torno de 2,5%. O final dos anos 80 trouxeram alguns elementos importantes para esta análise, afinal a violência está intimamente ligada à situação de trabalho e miséria da população.

A economia mundial em franca decadência, pôde ser freada momentaneamente no final dos anos 80 devido a (1) expansão de mercados e (2) expansão de setores a serem explorados. Por um lado a restauração capitalista na URSS e leste europeu, abertura comercial da China e formação de blocos econômicos, em especial a zona do Euro. E por outro, a ascensão de governos que puseram em prática as elaborações teóricas comumente chamadas de neoliberais. Para nossa discussão basta dizermos que estas políticas, que puderam ser levadas a cabo em dois países principalmente, EUA (com Ronald Reagan) e Inglaterra (Com Margareth Thatcher), têm por fundamento a redução do Estado em setores que antes não eram amplamente explorados pelo capital como saúde, transporte e educação. 

O final do século XX e começo do XXI  chegam com os elementos do imperialismo de Lenin em pleno vigor. A concentração monopolista levada ao extremo, o capital financeiro e a especulação das bolsas promovendo a valorização fictícia seguida pela explosão de bolhas econômicas gerando profundas crises como a de 2007/2008, o termo da partilha do mundo acompanhado pelas guerras comerciais e escalada armamentistas dos países imperialistas, a profunda privatização de setores que antes eram integralmente públicos como a educação e por fim o rebaixamento do valor mundial da força de trabalho e ajustamento das legislações que ainda provinham alguma garantia ao proletariado. É neste sentido que uma parte considerável da juventude, a proletária principalmente, se torna o elo mais frágil desta relação, por sua natureza de ingresso no trabalho, abandono social concretizado na violência e consequente impedimento ou falta de significado para os estudos etc.

No Brasil, país semi-colonial, tutelado pelos países imperialistas e organizações econômicas capitalistas (OCDE, Banco Mundial, FMI etc.), os efeitos desse processo descrito não passam ao largo, pelo contrário, expressa de forma transparente o desenvolvimento capitalista, as crises e recessões e as saídas burguesas para elas. O amplo processo mundial de desnacionalização e desestatização das economias chegou aqui, principalmente no governo FHC. No período foram vendidas empresas estatais estratégicas, particularmente nos setores de energia, transporte e comunicação como a Vale do Rio Doce, CPFL, Eletropaulo, Light, Telebrás, Embratel etc. Estima-se que neste processo foram perdidos meio milhão de postos de trabalho diretos.

O período seguinte se deu pela ascensão ao poder do nacional reformismo em diversos países da América Latina. No Brasil foi a Era dos governos petistas de Lula e Dilma. Abaixo indicamos a impotência do nacional reformismo em dar respostas ao problemas da juventude, mas por hora basta dizermos que este período foi de continuidade no processo de transferência dos recursos públicos para o setor privado, financeirização e estatização dos movimentos de massa. Este último ponto ganha destaque pois transfere o papel das organizações de massa como a CUT ou, no caso estudantil, a UNE, da posição de choque com os governos para arrancar conquistas dos explorados, para o papel de defesa do governo. Neste sentido o petismo foi responsável por desarmar as massas para os enfrentamentos que viriam a seguir, em especial a recessão que mergulhou o país nos anos de 2015 e 2016 gerando milhões de desempregados e nos diversos ataques sofridos pelas massas nos governos burgueses em nome da defesa do capital.

As contrarreformas dos governos Temer e Bolsonaro não puderam, até agora, contar com uma ampla resistência das massas já que suas organizações, sindicatos, centrais sindicais, uniões estudantis, frentes populares etc., estão mergulhadas até o pescoço na conciliação de classes. Essa consideração foi concretizada em 2017 na traição sofrida pela classe operária e demais oprimidos diante da greve geral contra a reforma trabalhista, maior ataque aos trabalhadores em todos os tempos no Brasil. A destruição da CLT contou com a colaboração das direções dos movimentos de massa que não impulsionam o instinto de luta e revolta dos explorados no dia 28 de abril de 2017. Três dias depois as centrais mostraram sua mesquinhez política ao realizarem o 1º de maio separado e chamarem uma nova greve geral apenas para junho, que não se concretizou.

A segunda grande derrota do proletariado brasileiro aconteceu em 2019, acompanhado de outra grande traição das centrais sindicais e movimentos de massa. A aprovação da reforma da previdência, com resistência pífia e com o desmonte da greve geral de 14 de junho, mostrou que a crise de direção do proletariado é a grande tarefa que os explorados precisam enfrentar. No caso da juventude a UNE e UBES, dirigidas pelo PCdoB e PT, mostram a cada novo ataque sua pequenez política e vazio de resposta prática para atender aos anseios dos jovens explorados.

É neste cenário de crise econômica mundial, ataques às condições de vida e trabalho das massas e crise de direção, que se encontra a juventude. Entregue a sua própria sorte, mergulhada no desemprego e miséria, esbarra na muralha da violência reacionária e é destruída fisicamente.

Os números da situação juvenil no Brasil: trabalho

Utilizando principalmente dados do IBGE (2016; 2017; 2018), pelo Sistema de recuperação automática (SIDRA), Pesquisa nacional por amostra de domicílios contínua (PNAD contínua) e Mapa da Violência 2018, escolhemos alguns dados sobre a situação juvenil brasileira contemporânea relativos principalmente ao trabalho e violência. É importante considerar que todo o processo descrito anteriormente se agrava em tempos de crise do capital, os dados que selecionamos são justamente de um período específico de recessão da economia brasileira (PIB: 2015, -3,5%; 2016, – 3,3%) e de quase estagnação nos anos adjacentes (2014, 0,5%; 2017, 1,3%) (IBGE/SIGA, 2018). 

Em 2015, o total de jovens entre 15 e 29 anos era de 48,3 milhões, 23,6% da população brasileira. No mesmo período, a juventude representava 42,0% dos desempregados. Como veremos as análises burguesas são incapazes de chegar às raízes do problema da violência na juventude, principalmente sua destruição física através dos homicídios. Sua incapacidade reside na limitação das análises em relação à propriedade privada e a sociedade de classes, ou seja, Se limitam a pensar o problema apenas nos marcos do capitalismo. 

Por outro lado, vamos dizer que essas raízes estão justamente na necessidade material, que é produto da sociedade de classes e da apropriação privada da produção social, ou seja, na exploração do trabalho das classes oprimidas, a classe operária, pequena burguesia arruinada e campesinato. 

Dados de 2016 mostram que 39,6% dos jovens brasileiros começaram a trabalhar com menos de 14 anos. Entre os trabalhadores que não completaram o ensino fundamental essa porcentagem sobe para 62,0%. Entre aqueles com superior completo, a porcentagem cai para 19,6%. Os números refletem, em parte, a incapacidade de vinculação entre a escola e o trabalho do atual sistema. Concretamente, no modo de produção capitalista, um é excludente ao outro.

A juventude negra é aquela que mais sofre com esses problemas. Seu ingresso no mercado de trabalho acontece antes dos jovens brancos. 42,3% contra 36,8% que começam a trabalhar até os 14 anos. Isso também ajuda a explicar sua maior participação nos trabalhos informais.

Entre as pessoas desempregadas, mais da metade (54,9%) eram jovens de 16 até 29 anos. Os estados brasileiros com as maiores taxas de desocupação de jovens naquele ano foram, Amapá, Pernambuco, Bahia e Alagoas. No sudeste, São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo possuem valores acima da média nacional. Entre aqueles que trabalham, mais da metade (51,0%), trabalha de 40 até 44 horas semanais. Este número sobe para 62,0% se as horas trabalhadas forem de 40 até 48 horas por semana.

Outro dado relevante é sobre o rendimento. Os jovens que trabalham ganham menos que a média nacional (65,4% menos).

Já em 2017, dos 48,5 milhões de jovens, mais da metade (25,2 milhões) não havia concluído o ensino superior e nem frequentava escola, curso, universidade ou qualquer outra instituição regular de ensino. Esses números apontam para três fatos importantes sobre este grupo social: i) a juventude possui maior parcela de desempregados, se comparada com a média geral; ii) entre aqueles que trabalham, a maioria possui longa jornada; e iii) ganham menos, na média, que os demais trabalhadores para a mesma função.

Todo este cenário tende a se aprofundar com a crise econômica somada com a crise sanitária que estamos atravessando. A Organização Internacional do Trabalho, estimava em seu relatório anual sobre emprego, em janeiro de 2020, que haveria 190,5 milhões de desempregados no mundo. Um aumento de 2 milhões só em 2020. Esse número chega a 470 milhões se forem considerados aqueles com trabalho informal, parcial ou que desistiram de procurar. Acontece que o impulsionamento da crise econômica pela pandemia jogou essas previsões no lixo e agora fala-se de 12,6 milhões de novos desempregados só no Brasil.

Nosso argumento principal é de que as diversas violências contra a juventude tem suas raízes nas necessidades materiais e consequente exclusão social (do trabalho, da escola etc). Os dados sobre a situação de trabalho dos jovens corrobora esse argumento. Passaremos agora para os números sobre a violência mais brutal contra os jovens brasileiros: os homicídios. Neste campo os jovens figuram as duas pontas do problema, são a maioria que cometem os assassinatos e são a maioria dos que são mortos. Isso mostra a importância da atuação sobre esta parcela da população no sentido da elevação da consciência de classe, com intuito de colocá-los na luta pela revolução proletária e construção de uma nova sociedade.

Os números da situação juvenil no Brasil: homicídios

A OMS considera epidêmicas as taxas superiores a 10 homicídios a cada 100 mil habitantes. A cada ano mais de 1,6 milhões de pessoas perdem a vida violentamente. No Brasil, em 2004, os homicídios foram responsáveis por 39,7% das mortes entre os jovens na faixa etária de 15 a 24 anos, enquanto que na população não jovem, 0 a 14 e 25 em diante, apenas 1,8% dos óbitos foram ocasionados por homicídios. O termo usado pela organização imperialista é ruim já que “epidemia” é um termo usado para doenças infecciosas, geralmente provenientes de causas naturais. Os homicídios são provenientes de causas sociais e podem e devem ser extirpados da sociedade em um modo de produção superior. 

Em parte pelo alto desemprego e subemprego entre os jovens, em parte pela própria estrutura social mais ampla, uma parcela considerável é arrastada para a violência de diversas formas. Em 2017, 35.783 jovens foram assassinados no Brasil, 69,9 para cada 100 mil jovens, taxa recorde nos últimos dez anos. É equivalente à taxa de homicídios (70) que o Haiti, país mais pobre das Américas, registrou nessa faixa etária em 2015, segundo o dado mais recente da OMS. O homicídio foi a principal causa, 51,8% do grupo mais jovem (15 à 19 anos), e se considerarmos apenas os homens nesta faixa etária a taxa sobe para 130,4 por 100 mil jovens. Do número total de homicídios, 94,4% eram do sexo masculino. As séries históricas não são mais animadoras, de 2016 para 2017 esta taxa cresceu 6,4% e na década, 2007-2017, o crescimento da taxa foi de 38,3%.

Para efeito de comparação, o grupo etário que compõe a juventude no Brasil, 15 até 29 anos, representava 24,6% da população em 2017, mas amargou 54,5% das mortes por homicídio. Os próprios órgãos institucionais da burguesia reconhecem que é estarrecedor o número de 35.783 jovens, de 15 a 29 anos, assassinados em 2017, de um total de 65.602 homicídios, ou seja, 98 assassinatos de jovens por dia, 4 por hora, 1 a cada 15 minutos. Embora o assassinato de mulheres seja menor, vem crescendo, chegando a 4.936 em 2017, sendo na sua grande maioria de mulheres negras. A pobreza e miséria empurram uma importante fração da juventude para a criminalidade, principalmente o narcotráfico, uma das chagas do capitalismo que expõe a sua decomposição. O Ipea, traça um perfil dos casos de homicídios em 2017:

  1. 91,8% das vítimas são homens. Desses, 77% são mortos por armas de fogo;
  2. 75,5% são negras;
  3. O pico de mortes é aos 21 anos de idade;
  4. A maior parte das vítimas tem baixa escolaridade (ensino fundamental incompleto);
  5. A maioria das mortes tem se concentrado em 12 Estados do Norte e do Nordeste, muitos dos quais têm visto a violência crescer exponencialmente.

A isso se somam contornos regionais. Os potiguares convivem, hoje, com uma taxa de 152,3 homicídios de jovens a cada 100 mil habitantes. No Ceará houve aumento de 48,2% entre 2016 e 2017, e a taxa foi para 140. Para efeitos comparativos, o menor índice de violência do país hoje é registrado no estado de São Paulo, onde a taxa geral é de 10,3 homicídios a cada 100 mil habitantes e de 18,5 entre jovens de 15 a 29 anos. A tabela seguinte mostra as taxas para o ano de 2012, assim podemos ver como os valores se desenvolveram em cada estado. Também é possível encontrar o chamado “custo da mortalidade” em valores absolutos e em função do PIB.

Tabela 1 – Taxa de vitimização da juventude e custo social da violência juvenil em 2010 por UF

Nos países latino-americanos e caribenhos, a taxa média de homicídios entre adolescentes foi estimada em 22,1 assassinatos para cada grupo de 100 mil jovens, índice quatro vezes maior que a média global. Segundo o levantamento, a Venezuela tem a maior proporção de homicídios na faixa etária dos 10 aos 19 anos, com uma taxa de 96,7. O país é seguido pela Colômbia (70,7), El Salvador (65,5), Honduras (64,9) e Brasil (59). Quando comparadas todas nações do mundo, o Brasil tem a sétima maior taxa de homicídios, ficando atrás de Honduras, El Salvador, Colômbia, Venezuela, Iraque (134) e Síria (330). Na Europa essa taxa é de 0,4.

Além da prática corriqueira de violência não letal das polícias que qualquer jovem das periferias e favelas conhecem bem, é fundamental mostrarmos que parte considerável dos jovens mortos têm suas vidas ceifadas pelas mãos daqueles que, segundo os governos e parte ingênua da população, estão aqui para nos proteger.

Em 2017 morreram pelas mãos das polícias 5.225 pessoas, incluindo aí apenas os números oficiais e registrados de alguma forma. Em 2018, 5.762 pessoas e em 2019, 6.105 mortos. Como os números mostram, a letalidade das polícias vem crescendo conforme avança a crise, o desemprego, a miséria da população, a criminalidade etc. 

Do ponto de vista dos estados, Paraná, Bahia, Pará, Sergipe, Rio de Janeiro e Amapá têm as maiores taxas de letalidade policial. Enquanto a taxa por 100 mil habitantes do país é de 3, no RJ chega a 10,5 e no AM, 15,1. 

Os dados sobre o encarceramento em massa mostram outra violência brutal contra a juventude. A burguesia e seus governos, ao não fazerem ideia de como resolver o problema da violência, apostam no trancafiamento dos jovens. O Brasil tem hoje 754,2 mil presos, o que equivale a taxa de 335 por 100 mil habitantes. Isso nos coloca no 26º lugar no ranking de 221 países e territórios. Em números absolutos estamos na 3ª posição (atrás de EUA e China). Destes aprisionados, 54,8% em 2012, tinham até 29 anos, ou seja, mais da metade era jovem. Se considerarmos os menores de 18 anos aprisionados nas unidades socioeducativas, teremos mais 22 mil jovens. O aprisionamento da juventude constitui uma das maiores violências capitalistas, afinal é diante da ausência das condições materiais de sobrevivência que a maioria dos jovens são empurrados para a criminalidade.

Incapacidade dos reformistas e liberais darem respostas à juventude

A cada sete minutos, em algum lugar do mundo, uma criança ou adolescente é morto pela violência. Somente em 2015, mais de 82 mil meninos e meninas de 10 a 19 anos morreram vítimas de homicídios ou de alguma forma de conflito armado ou violência coletiva (guerras). Desses óbitos, 24,5 mil foram registrados na América Latina e no Caribe. Esses dados, apresentados por órgãos do próprio imperialismo como a ONU e seu braço para a juventude, a UNICEF, mostram que apesar de toda a demagogia, todos os discursos solidários e comovidos e todas as ações e projetos que são criados, a burguesia não faz a menor ideia (e não tem intenção) de como resolver o problema da matança dos jovens nos marcos do capitalismo em decomposição. 

Não é difícil entrar na internet e encontrar explicações diversas de pesquisadores, acadêmicos liberais ou reformistas, organismos de pesquisa, governantes e mídias em geral. Evidentemente não são análises idênticas, mas não cabe aqui apresentar cada autor de resposta ou teorização sobre a violência contra a juventude. Basta mostrarmos o que eles têm em comum: fazem um verdadeiro malabarismo conceitual para explicar os números que falam por si. O desespero em encontrar explicações está no fato dos números estarem em franca contradição com as análises de melhora paulatina do mundo que apresentam em seus relatórios ou mesmo nas propagandas eleitorais. O essencial é que suas análises tem contornos e limites muito bem definidos: a propriedade privada dos meios de produção e a sociedade de classe. Se limitam a lamentar a perda das vidas do ponto de vista do sofrimento familiar e do ponto de vista econômico para o país. 

Uma destas análises aposta na paciência, mostrando que a juventude se expandiu por 20 anos, 1983 – 2002, e permanecerá aproximadamente estagnada nos 20 anos seguintes, 2003 – 2022, com algo em torno de 50 milhões de indivíduos. A estimativa é que nos anos posteriores a juventude vai retroceder. Como a criminalidade está ligada essencialmente aos sujeitos nesta faixa etária, espera-se que a os números de homicídios também reduzam.

Outra teoria, chamada de “teoria do autocontrole”, imputa a deficiências educacionais durante o processo de socialização do indivíduo, o não desenvolvimento de mecanismos psicológicos de autocontrole, explicaria comportamentos desviantes, vícios, delinquência e, posteriormente, crimes.

Outras teorias, como a da “desorganização social” e a do “controle social”, colocam ênfase nas relações e na concordância com as crenças e os valores da sociedade, o que funcionaria como um mecanismo dissuasor interno à transgressão. Já na teoria do “aprendizado social”, claramente metafísica, o comportamento delituoso seria aprendido a partir de interações pessoais com indivíduos, no grupo de amizade e conhecimento. O cinismo dessas abordagens é patente. Ignoram o desenvolvimento histórico e a ampla exploração material da juventude.

Os modelos econométricos dizem: quanto mais jovens, mais homicídios. Estimam que o aumento de 1,0% na parcela de jovens de 15 a 24 anos na população gera um crescimento de 4,5% na taxa de homicídios. Mas não podem explicar muito além dessa tautologia do capitalismo em decomposição. Contudo, alguns destes modelos mostram as variáveis que possuem mais relevância estatística, como desemprego e renda per capita. Em um modelo mais completo, um aumento de 1% no desemprego dos homens, amplia a taxa de homicídios em 0,15%.

Às análises explicativas acadêmicas, se somam as tentativas de resposta do nacional reformismo. A importância em ressaltar os governos petistas mais do que os governos do PSDB, MDB e PSL, está no fato do PT ser dirigente dos maiores movimentos de massa do país e lançar a juventude e demais trabalhadores as falácias de construção de um Estado de bem estar social, de desenvolvimento paulatino do país, de fim da miséria etc., tudo isso por meio das eleições. Neste sentido surge uma aparente contradição: nos anos 2000, período de respiro internacional do capital, crescimento do PIB mundial, avanço da exportação no país (commodities), impulsionamento do assistencialismo e ampliação do crédito e consumo, a criminalidade, encarceramento e violência subiram.

O reformismo no poder mostrou sua incapacidade justamente por lançar uma série de programas para as juventudes que não surtiram resultados concretos e duradouros para a massa juvenil. Não abordaremos cada projeto aqui, mas vale a pena citar alguns (federais e estaduais): Projovem; Prouni; Fies; SISU; PEC Juventude; Plano Juventude Viva; Estatuto do desarmamento; Pacto pela Vida (PE); Política Nacional de Juventude etc., todos eles, em alguma medida, foram apresentados como solucionadores dos problemas da juventude. 

Em 2005/6 o governo Lula criou o Conselho Nacional de Juventude e Política Nacional de Juventude, um conselho interministerial com participação da sociedade civil para discutir e propor ações para a juventude. O documento de abertura deste programa inicia com a seguinte frase: “Em termos políticos e sociais, os e as jovens são sujeitos de direitos coletivos. Sua autonomia deve ser respeitada, suas identidades, formas de agir, viver e se expressar valorizadas”. A essência do documento está na ideia de que os jovens são sujeitos de direitos. Ora, isso não passa de uma redundância oportunista, afinal “sujeito de direito” nada mais é que, do ponto de vista burguês, as pessoas que possuem direitos legais perante a lei. Neste sentido na sociedade brasileira todos são. A redundância está em reafirmar algo que já é dado pela lei. O oportunismo está em fazer propaganda de algo que na prática não pode ser cumprido. O jovem, como vimos nos dados, não tem seus direitos à vida, ao trabalho, aos estudos garantidos senão no papel, e o papel aceita tudo.

A solução da aparente contradição não pode ser encontrada nos discursos proferidos pelos próprios reformistas, aliás, nenhuma análise política pode ser feita a partir do que os indivíduos dizem, senão pela análise criteriosa dos interesses de classe que estão por trás de tais discursos. É aí que podemos solucionar a contradição, através da análise da política burguesa do PT em seus anos de governos e da política nefasta de conciliação de classes dos organismos de massa que dirigem.

Assim, sua ascensão ao poder em 2003 foi marcada com a “Carta aos brasileiros” onde fez questão de avisar a burguesia que não mudaria a ordem social nem as estruturas, deixou claro que os interesses do grande capital estavam assegurados, bem como a propriedade privada. Assim, seus governos foram marcados pela conciliação, estatização das organizações de massa (CUT, UNE e MST principalmente) e apoio dos grandes capitalistas especialmente das empreiteiras e do agronegócio. Com o avanço da crise econômica mundial, o governo passou a ter as margens de manobra reduzidas, viu o desemprego começar a subir e foi obrigado a ampliar suas relações com os partidos oligárquicos da burguesia. A economia retraiu com o PIB marcando 0,9% em 2012, 2,3% em 2013, chegando na estagnação em 2014 e recessão em 2015 e 2016. Está aí o começo da explicação do crescimento da violência sobre a juventude em detrimento dos inúmeros projetos sociais implementados. A continuação da explicação está justamente na impossibilidade do capitalismo na fase monopolista (imperialista) aplicar reformas progressivas para desenvolvimento do Estado. Nas palavras de Trotsky, [diante da crise] “a burguesia retira com a mão direita, o dobro do que deu com a esquerda”. 

A continuidade da explicação está no papel cumprido pelas organizações de massa dirigidas pelo reformismo, em especial a UNE já que é a maior organização estudantil do país. Sua prática de colaboração de classes, carreirismo e distracionismo tem levado a juventude para uma situação de miséria ainda maior. Isso por não atuar na independência do movimento e na organização dos estudantes para combater os ataques da burguesia e seus governos.

A resposta marxista e proletária para a violência contra a juventude

Marx já dizia, em O Capital, que “a violência é a parteira de toda sociedade velha que está prenha de uma sociedade nova”, o que significa que a violência faz parte do desenvolvimento social amplo, através da disputa entre as classes. Assim, não condenamos a violência em geral, de forma abstrata como fazem os reformistas. Sabemos que somente através da violência revolucionária conseguiremos arrancar o poder das mãos da burguesia, sabemos que o proletariado e demais explorados deverão usar a violência revolucionária, através da revolução proletária, para a instalação de um governo operário e camponês, sustentado pela ditadura do proletariado. 

A violência que tratamos aqui é outra. É a violência capitalista a que estão submetidos milhões de jovens pobres, sejam aqueles que cometem, sejam aqueles que a sofrem. É a violência da superexploração do trabalho, dos salários de fome, do impedimento aos estudos, das demissões em massa e da condenação de morte para milhares de jovens todos os anos.

Vimos aqui que a atual fase do capitalismo, o imperialismo, impõe aos países semi-coloniais uma miséria crescente através do sacrossanto pagamento da dívida pública, exportação de capitais, políticas de ajuste fiscal etc. Isso tem obrigado os governos burgueses de turno a impor medidas que apontam para a miséria cada vez maior da classe operária e demais explorados, sobretudo os jovens pobres. A aprovação na câmara dos deputados, no momento em que este texto estava sendo escrito, da MP 905/2019 do “contrato verde e amarelo”, mostra de forma transparente como o governo visa salvar o patronato e despejar a miséria sobre os jovens. Nesta medida, a economia na contratação pode chegar a 70% para o patrão, enquanto o salário recebido pelo jovem de até 29 anos, será de no máximo R$ 1.567,50.

Por outro lado, as pesquisas acadêmicas e as políticas reformistas se mostram impotentes de dar uma solução concreta para a situação juvenil. Os dados que trouxemos tornam essa verdade patente. O fato é que não podem dar respostas pois elas só existem nos marcos da superação do modo de produção capitalista. As tarefas que levantamos para a época de transição do capitalismo para o socialismo devem colocar a juventude em choque com a burguesia e seus governos, para a construção do partido programa que conduzirá as massas exploradas para um regime superior. Desta forma levantamos para a juventude as seguintes tarefas:

  1. Emprego a todos os jovens. Nenhum jovem fora da produção social, nenhum jovem fora da escola. Jornada reduzida de trabalho, combinada com a jornada de estudo; 
  2. Fim das discriminações raciais e sexuais. Defesa da igualdade em todos os aspectos da vida social, econômica e política; 
  3. Acabar com a criminalização da pobreza. Responsabilizar o Estado, governos, parlamento, judiciário e aparato policial pela matança de jovens; 
  4. Fim da polícia e todo sistema de opressão capitalista. Direito à autodefesa da população;
  5. Condenação da política de “guerra às drogas”, que mantém o poder da burguesia narcotraficante, e que prende e assassina jovens, principalmente, negros. Nenhuma interferência do poder público nas atividades culturais dos jovens.
  6. Unir a juventude explorada na luta contra as reformas antinacionais e antipopulares dos governos;
  7. Enfrentar o obscurantismo das igrejas e da política governamental. Liberdade de ensino, expressão, organização e manifestação política. Combater a militarização das escolas;
  8. Livre organização dos grêmios escolares. Nenhuma interferência do governo e da burocracia escolar. Direito de realizar assembleias nas escolas; 
  9. Recuperar as organizações estudantis, hoje controladas pelas direções reformistas e conciliadoras; 
  10. Organizar o movimento estudantil sobre a base das reivindicações, democracia das assembleias, método da ação direta e independência política diante dos governos e seus representantes; 
  11. Lutar pelo socialismo. Transformar a propriedade privada dos meios de produção em propriedade social. Organizar-se no partido marxista-leninista-trotskista. Trabalhar pela superação da crise de direção.

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