O avanço da militarização da educação e das escolas

O avançado e acelerado processo de militarização da educação no Brasil não está descolado da militarização da política em geral, nos últimos anos, que, por sua vez, é reflexo da crise econômica mundial, iniciada em 2007/2008, no centro do capitalismo, os Estados Unidos da América, e irradiada para todo planeta, nos anos seguintes, e em diferentes graus. 

Os capitalistas despejam o peso da crise sobre as costas dos explorados, seja por meio das demissões em massa, seja por meio da flexibilização das leis trabalhistas, aprovadas pelos governos burgueses de todas as matizes. Além disso, criam leis e regulamentações que garantam a manutenção do pagamento dos juros e amortizações da dívida pública ao capital financeiro. Este é o caso da reforma da Previdência, que está em vias de aprovação. 

Por outro lado, mas também consequência da crise econômica, desenvolvem-se, no seio da sociedade, impulsionadas principalmente pelas classes médias, as tendências reacionárias, xenofóbicas, obscurantistas e militarizantes. Trata-se de um recrudescimento político profundo, concretizado nas eleições de partidos de extrema direita (ou crescimento numérico dos seus apoiadores), em muitos cantos do planeta. O estadunidense Donald Trump é seu expoente máximo, mas também podemos citar, Viktor Orbán, na Hungria; Mateusz Morawiecki e Beata Szydlo, na Polônia; Sebastian Kurz, na Áustria; e Jair Bolsonaro, no Brasil, que venceram eleições nos últimos 4 anos. Enquanto Marine Le Pen, na França; Alice Weidel, na Alemanha; Geert Wilders, na Holanda; o partido dos “Verdadeiros Finlandeses”, na Finlândia; entre outros, tiveram grande projeção eleitoral, ainda que sem vitória. 

Antes disso, vimos, principalmente na América Latina, o esgotamento do nacional-reformismo, que foi varrido dos muitos países em que tinha conquistado postos, no começo dos anos 2000. Uruguai, Argentina, Equador, Paraguai, Brasil e outros tiveram seus líderes reformistas retirados pelo voto ou por golpes, mas com certeza, todos pelo avanço da crise econômica, e pela impotência da política nacional reformista na fase de decomposição do capitalismo, a fase imperialista, de predomínio dos monopólios e do capital financeiro, comprovando, mais uma vez, a tese de que a fase imperialista do capital não admite reformas progressivas. 

Para o proletariado e demais oprimidos da sociedade, sobra não mais que a barbárie. A violência cotidiana, o desemprego galopante, o crescimento da miséria e outras manifestações da opressão de classe. O setor que mais sente os efeitos da barbárie na carne é a juventude: maior porcentagem dos desempregados, entre os que trabalham, têm as maiores jornadas e os menores salários, sofrem com a violência policial e a educação escolar, via de regra, não serve para nada. Enfim, sem perspectiva e sem direção revolucionária que impulsione suas lutas, findam reféns desta decomposição. 

No setor educacional, esta barbárie não é menos profunda. As escolas não têm merenda, papel higiênico, sabonete, espaços minimamente adequados, professores bem pagos, etc., mas os governos do PT e MDB gastaram R$ 1,1 bilhão, de 2013 até 2017, apenas com avaliações de larga escala. Os governos se propõem a aplicar todo tipo de panaceia, como o projeto de reorganização escolar de SP/2015; a reforma do ensino médio de Temer; o gerenciamento empresarial nas escolas (ex. Método de Melhoria de Resultados/Contrato de Impacto Social em SP); os projetos de escola de tempo integral (ex. Ceará, Pernambuco, etc.); finalizam projetos sem um balanço dos resultados (ex. SP Faz Escola, projeto que durou 10 anos, e deixou as escolas estaduais em piores condições); ampliam a carga horária, para incluir disciplinas de empreendedorismo (ex. gestão Doria/SP); estudam implementar até projetos de coach emocional (ex. CIS Educar no DF); condicionam o repasse de verbas dos municípios aos resultados nas avaliações de larga escala (ex. projeto do governo Bolsonaro inspirado no modelo cearense, no âmbito da renovação do Fundeb, que se encerra em 2020); impulsionam o ensino domiciliar; privatizam a educação; e, claro, apostam suas fichas na militarização das escolas. As ações são as mais diversas possíveis, mas nenhuma delas sequer arranha a verdadeira raiz do problema educacional: o capitalismo apodrecido. 

Como exemplo mais recente deste processo, tivemos em julho o lançamento, pelo governo federal, do “Compromisso nacional pela educação básica”, com assinaturas do MEC, Conselho nacional de secretários de educação (Consed), e União nacional dos dirigentes municipais de educação (Undime). Nesse compromisso, o governo apresenta a impostura de que o fracasso educacional é o causador da desigualdade social no país, invertendo causa e efeito. Seguindo essa lógica distorcida, conclui que deve investir em educação, para aumentar a produtividade do trabalhador brasileiro, que está abaixo da média da OCDE. É uma apresentação para o mercado. Como último item desse projeto, o governo destaca a criação de 108 escolas cívico-militares, que vamos detalhar mais abaixo. 

As justificativas usadas pelos governos para todas estas ações estão bem elaboradas na Revista da Corrente Proletária na Educação, n°8, no artigo sobre a crise educacional. Mas, para o processo de militarização em especial, passam pela eterna busca pelos índices nas avaliações de larga escala, a indisciplina incontrolável, a ausência da moral, e desrespeito à hierarquia, etc. Acreditam assim que a educação militar é a forma de resolver todos esses problemas. 

Respondemos que estão errados do começo ao fim. Confundem a consequência com a causa. A lógica militar é castradora. A juventude, para se elevar politicamente e atuar ao lado do proletariado, sob sua política, para derrubar o modo de produção capitalista, precisa das suas próprias organizações coletivas, organizar a luta por suas reivindicações, e ter pensamento independente. Não pode estar sob a interferência militar. 

 

A militarização da educação acontece por três caminhos principais:

  1. Pelo aumento de militares nas pastas educacionais.
  2. Pela militarização das escolas públicas do país.
  3. Pelo ingresso de militares nas escolas, que por sua vez acontece de duas formas:

a) Com a aprovação de leis que permitam o trabalho regular de militares dentro das escolas.

b) Com a violência direta da polícia, que entra nas escolas para reprimir os estudantes e professores.

 

Aumento de militares nas pastas educacionais

O governo de Bolsonaro está formado com uma coluna vertebral de militares ocupando postos estratégicos, influenciando e decidindo políticas, de acordo com as intenções desse grupo. Atualmente, os ministérios de Minas e Energia, Ministério da Defesa, Gabinete de Segurança Institucional, Ciência e Tecnologia, Secretaria de Governo e Secretaria Geral da Presidência da República, estão nas mãos dos militares. Além do próprio Bolsonaro e seu vice, Mourão. 

Mesmo com o comando do Ministério da Educação ficando de fora dessa lista, com Ricardo Vélez, até abril, e Abraham Weintraub, em seguida, a pasta apoiou e incentivou diversas políticas voltadas para a militarização da educação. A importância em atentar para os militares nas pastas educacionais, seja da União, seja dos estados e municípios, está na criação de leis que permitem o avanço desse processo. Vélez liberou R$ 10 milhões, para o DF implantar 36 escolas militarizadas, ainda este ano, e se reuniu com diversos secretários de educação dos estados para impulsionar esta política. Em julho, Weintraub lançou o já citado compromisso pela educação básica, onde apresenta o plano de criar 27 escolas cívico-militares por ano (uma para cada unidade da federação), totalizando 108 até 2023.

Em 2 de janeiro, o governo federal assinou o decreto nº 9.465, que aprova uma nova estrutura organizacional do Ministério da Educação (MEC), e cria a Subsecretaria de Fomento às Escolas Cívico-Militares (Secim). O objetivo é elaborar um formato de gestão educacional, e coordenar programas pedagógicos que envolvam militares e civis, para ser aplicado nas regiões brasileiras. No decreto, destacamos alguns pontos:

Art. 16. À Subsecretaria de Fomento às Escolas Cívico-Militares compete:

I – criar, gerenciar e coordenar programas nos campos didático-pedagógicos e de gestão educacional, que considerem valores cívicos, de cidadania e capacitação profissional necessários aos jovens;

II – propor e desenvolver um modelo de escola de alto nível, com base nos padrões de ensino e modelos pedagógicos, empregados nos colégios militares do Exército, das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares, para os ensinos fundamental e médio;

III – promover, progressivamente, a adesão ao modelo de escola de alto nível às escolas estaduais e municipais, mediante adesão voluntária dos entes federados, atendendo, preferencialmente, escolas em situação de vulnerabilidade social;

XIII – propor e acompanhar o desenvolvimento de sistemas de controle dos projetos de cursos, gestão e formação continuada de gestores, técnicos, docentes, monitores, parceiros estratégicos e demais profissionais, envolvidos nos diferentes processos em colaboração com as diretorias da Secretaria“.

 

O que não fica claro é o que se considera “escola de alto nível”, que tipo de intervenção na formação docente será proposto, e com quais recursos isso seria feito. 

Ainda nesse caminho, o governo lançou outro decreto, um dia antes das grandes manifestações que tomaram o país, no dia 15 de maio, contra os cortes na educação, e contra a reforma da Previdência. O decreto 9.794/19 é mais uma clara demonstração de ataque à já débil autonomia universitária. Entre outras ações ele: 

  1. Retira o poder dos reitores de nomearem vice-reitores, pró-reitores, diretores de campi, etc. 
  2. Coloca nas mãos do general Floriano Peixoto (Secretaria de governo) o poder de dar aval ou negar as indicações de nomes dos reitores eleitos nas universidades e Institutos Federais (IFs). Além disso, dá ao general o poder de “exoneração e dispensa” dos reitores.
  3. Institui um sistema de credenciamento e gerenciamento das indicações e nomeações para cargos em comissão e funções de confiança.

As assinaturas que constam no documento nos dão uma ideia das intenções  do governo: além do presidente Jair Bolsonaro, Onyx Lorenzoni (Casa  Civil), Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional – GSI), Wagner  Rosário (Controladoria Geral da União – CGU) e Santos Cruz (ex-Secretaria de Governo). O Sistema Integrado de Nomeações e Consultas (Sinc) cumprirá o papel de organizar as indicações para cargos de comissão e funções de confiança. Os nomes que constarem no sistema passarão por “pesquisa de vida pregressa”, por parte da CGU e da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Salta aos olhos novamente a militarização, que coloca a agência de inteligência para investigar os possíveis ocupantes dos cargos nas universidades e outras instituições públicas. Neste momento, oito nomeações de reitores de universidades e institutos federais estão paradas no MEC, e o ministro já declarou, em audiência no Senado, que o atraso está vinculado a  questões políticas. Não é difícil imaginar que essas nomeações estão aguardando o decreto entrar em vigor. Cabe à secretaria de governo avaliar as indicações para “dirigente máximo de instituição federal de ensino superior”. Segundo o decreto, a avaliação, que passou a ser feita pelo general, a partir do dia 25 de maio, será feita de acordo com a “conveniência e oportunidade administrativa”. Esse decreto vem no momento em que o governo usa de diversas táticas para enfraquecer as universidades. Seja por decretos e medidas administrativas, seja por discursos ideológicos reacionários e obscurantistas. Enquanto isso, o ministro da Educação, em sabatina na Câmara dos Deputados, acabou mostrando as reais intenções do governo, a cobrança de mensalidades. Falou que as instituições  públicas deveriam cobrar pelos cursos de mestrado e doutorado e lançou, em julho, um plano de sustentação financeira para as universidades públicas brasileiras. Ainda que se tenha feito de rogado, e dito que era contra a cobrança na graduação, sabemos que o capital anseia por colocar as mãos nesse setor, e lucrar com mensalidades em todos os níveis da educação, começando pelas universidades. Nos colégios militares mantidos pelo exército, a cobrança de mensalidades já é autorizada pela Lei Federal 9.786/99 e Portaria 42/08, do Comando do Exército. Em 24 de outubro de 2018, o Supremo Tribunal Federal julgou a cobrança constitucional.

Foi realizado, no dia 9 de abril, o primeiro Simpósio das Escolas Públicas Cívico-Militares, na Câmara dos Deputados. O objetivo é ampliar esse modelo de escola no país. A chamada bancada da bala, composta por policiais, merece destaque aqui, já que são eles que criam e aprovam os diversos projetos sobre o tema nas câmaras municipais, estaduais, federal e no senado. Alguns nomes como Eduardo Bolsonaro, General Peternelli, Major Vitor Hugo e Delegado Waldir, na Câmara dos Deputados, e Major Olímpio e Flavio Bolsonaro, no Senado, todos do PSL, são entusiastas das políticas de ampliação da participação militar na educação pública.

 

Militarização das escolas públicas do país

O estado de Goiás é o líder no número de escolas públicas militarizadas, chamadas de parceria cívico-militar. Em 2001, foi criado o CPMG (Colégio da Polícia Militar de Goiás) – antigo Colégio Estadual Hugo de Carvalho Ramos – com a Lei Estadual 14.050, através da Lei de iniciativa do Executivo, aprovada pela Assembleia Legislativa em caráter de urgência, transformou escolas estaduais em instituições de ensino geridas pela Polícia. Até 2007, foram criados no Estado seis colégios, o Polivalente Modelo Vasco dos Reis, e o Hugo de Carvalho Ramos; dois na cidade de Anápolis, o Ayrton Senna e os CPMG de Anápolis; o CPMG de Rio Verde; e o CPMG de Itumbiara. A partir de 2013, o processo se acelerou. 

No Brasil, o número de escolas geridas pelos militares cresceu 212%, entre 2013 e 2018 (39 para 122 escolas). O estado de Goiás conta com quase metade desse contingente, e ultrapassa esse patamar, se incluirmos aquelas que estão em processo de militarização (37 previstas em lei).

O Distrito Federal inaugurou quatro escolas desse modelo, em 2019, e recebeu verba do MEC para abrir mais 36 escolas, em 2020. Em Roraima, são 18 escolas, totalizando aproximadamente 20 mil alunos, sob o escrutínio diário dos militares. O Amazonas tem 15 dessas escolas. Na Bahia, o modelo, batizado de Vetor Disciplinar, tem escolas geridas pelas prefeituras, mas com policiais militares da reserva para atuar no âmbito disciplinar. Neste caso, o custo para implantação do modelo fica a cargo dos municípios. Hoje, existem 17 colégios militarizados no estado. No Rio Grande do Sul, o capitão Macedo, do PSL, apresentou um projeto de ampliação das escolas militares no estado.

Corte de cabelo padronizado para os meninos, proibição de cabelo solto para as meninas, uniforme militarmente alinhado, proibição de contato físico e “demonstração pública de afeto”, juramento diário à bandeira, filas para entrar e sair das salas, posição de sentido ao receber o professor, aulas de educação moral e cívica, aluno que ganha medalha por bom comportamento e vira “capitão da turma”, são algumas das aberrações mais visíveis, numa escola sob o comando da PM ou das Forças Armadas. 

A leitura dos regimentos internos das escolas de Goiás mostra claramente o cerceamento das atividades políticas e coletivas. No regimento interno da CPMG de Anápolis, nos artigos que tratam do grêmio estudantil, encontramos:

Art. 71. O Grêmio Estudantil é um órgão auxiliar representativo dos interesses do corpo discente, criado na forma da legislação em vigor.

Parágrafo Único. Terá estatuto próprio, reconhecido pelo Comando e Direção do CPMG, em consonância com as prescrições deste Regimento.

Art. 72. O Grêmio Estudantil tem por finalidade: I – desenvolver atividades educacionais, culturais, cívicas, desportivas e sociais; II – contribuir para a formação do aluno pela promoção da co-responsabilidade, iniciativa e criatividade; III – auxiliar a administração da escola, observando o disposto neste Regimento.

Parágrafo Único. É vedada atividade político-partidária por parte do Grêmio Estudantil e a que prejudique o livre funcionamento da Unidade Escolar, principalmente o bom andamento das atividades pedagógicas.

Art. 73. A Direção do Grêmio Estudantil é constituída, na forma da legislação em vigor, por alunos regularmente matriculados, não repetentes, possuindo bom comportamento disciplinar, e apresentando um rendimento escolar satisfatório. 

  • 1º Integram também a direção do Grêmio Estudantil, na forma da legislação específica, um representante dos pais de alunos, e um professor, sendo um titular e um suplente de cada segmento.
  • 2º Em caso de inobservância das prescrições desta seção, não será reconhecido a sua legitimidade e será dissolvido por ato do Comandante e Diretor. 

A flagrante quebra de autonomia do movimento estudantil numa escola militarizada, em conjunto com declarações recentes do presidente e do ministro da educação, de que jovem não deve se interessar por política, nos dizem que devemos combater com todas as forças o crescimento desse tipo de escola pelo país. 

Mas, existem as aberrações que não são perceptíveis, numa primeira olhada. O governo usa o frágil argumento de que os resultados são positivos (gráfico abaixo). Ao dizer isso, mostra o desconhecimento dos índices avaliados, da super seleção feita por muitas dessas escolas para escolher os estudantes (seja através do ingresso, seja através das expulsões dos “indesejáveis”), além do trabalho pedagógico, voltado a cumprir justamente um currículo baseado nos índices. Em uma palavra, os alunos são treinados para resolver os exames que determinam os índices. 

Por outro lado, ataca-se a indisciplina, através do medo e da violência. Com policiais portando arma no coldre, ameaças de punições diárias, expulsões, gritos, etc., a escola “resolve” o problema da indisciplina através do terror. De qualquer forma, mesmo parte da mídia burguesa tem apontado (usando resultados do ENEM como índice) a falácia dos “resultados melhores”. As escolas estaduais da PM ficam abaixo da média das escolas particulares e das federais, além de ficar abaixo de outras centenas de escolas estaduais comuns. 

Outro argumento, normalmente usado pelo governo e apoiadores desse modelo, é de que parte das famílias apoia a mudança nas escolas. Novamente, salta aos olhos a fragilidade do argumento. A escolha dos colégios se dá, entre outros fatores, pelo baixo índice de desenvolvimento humano e criminalidade do bairro. Ou seja, a aceitação de parte das famílias, e os problemas sociais que envolvem as escolas escolhidas, são frutos da decomposição capitalista, da barbárie que se instala de forma mais marcante nas periferias dos centros urbanos. O desespero de muitas mães e pais faz com que acreditem que será através da disciplina militar que evitarão a destruição da vida dos seus filhos. Não percebem que parte dessa destruição imposta pelo capitalismo e seus governos chega até as suas portas, justamente através da violência da mesma polícia militar que, agora, quer “educar” esses jovens. A afronta é gritante: obriga-se os jovens pobres a ter aulas com os sujeitos que, fora dos muros da escola, os violentam, prendem, torturam e matam.

 

Militares dentro das escolas

A terceira via da militarização da educação acontece pela presença dos militares dentro das escolas, seja através da criação de leis específicas dos estados e municípios para que tenham cargos nas escolas, seja através da presença ostensiva, quando são chamados pelas direções para reprimir os movimentos de estudantes e professores. 

No mês de julho, tivemos a aprovação, no Senado, de uma lei que permite, a partir de agora, que militares acumulem cargos nas áreas de saúde e educação. A emenda constitucional 101 de 2019, foi proposta, em 2013, pelo então deputado Alberto Fraga, aprovada na Câmara, em 2015 e agora, no Senado. Não é surpreendente, mas é curioso destacar que o propositor foi condenado pelo crime de recebimento de propina, o que não impediu que fosse convidado especial do presidente do senado, Davi Alcolumbre, para promulgação da emenda. Lá, o condenado discursou: 

Eu prefiro um militar dando aula na rede pública do que fazendo bico num supermercado e, muitas vezes, assassinado. Eu me orgulho muito da formação militar. Todos nós podemos passar para a juventude os valores de disciplina e hierarquia, hoje tão necessários na sociedade brasileira.

Tamanha é a hipocrisia do sistema parlamentar burguês. Não se preocupam nem em esconder as visíveis contradições. Mas, o que mais impressiona nesta aprovação ainda está por vir.

O fato da mudança na constituição permitir apenas o acúmulo, não o ingresso imediato, fez com que determinados setores sindicais e do movimento social se calassem sobre o problema. O que não percebem é que a escola e a educação não é lugar de militar, de forma nenhuma, nem mesmo aprovado em qualquer avaliação. 

Essa emenda tramitou na Câmara dos Deputados, em 2015, e obteve apenas 1 voto contrário, da deputada Jandira Feghali. Todos os parlamentares do PSOL e do PT votaram a favor da emenda, incluindo Jean Wyllys e Ivan Valente. No Senado, este ano, a emenda foi aprovada por unanimidade, tendo novamente todos os petistas votado a favor. 

Outro caso que merece destaque aconteceu no dia 17 de junho, quando o governador, Wilson Witzel, deu um passo enorme na militarização das escolas públicas do Rio de Janeiro. Lançou o programa “Cuidar”, onde serão contratados mil policiais reformados, para atuarem nas escolas, como inspetores de alunos. Além do nome completamente hipócrita do programa, que coloca o braço armado do estado e o monopólio da violência dentro das escolas, para “cuidar” dos alunos, o projeto mostra que a militarização da educação, no Estado das falidas UPPs e da intervenção de Temer, está em ritmo acelerado. O Rio de Janeiro sintetiza a decomposição do capitalismo. A barbárie social, a miséria e a violência são evidentes. O estado encontra-se praticamente falido, com servidores estaduais e de várias cidades convivendo com atrasos nos pagamentos. Em 2018, o aventureiro Witzel/PSC se elegeu, com o discurso militarista e fascistizante. Agora, estende o discurso militarista para as escolas, usando o caso de Suzano/SP como mote. O custo do programa Cuidar será de R$ 40 milhões, e está prevista a contratação de profissionais das forças armadas, mulheres com especialidade em vigilância, policiais militares e civis, bombeiros e agentes penitenciários, reformados ou aposentados. A função desses agentes será ficar na portaria das escolas, impedindo que estudantes entrem armados, fazer rondas pelo entorno da escola, e ficar dentro da escola como inspetor de alunos, ajudando na “mediação de conflitos”. Sabemos que a polícia não serve para mediar absolutamente nada. É ela mesmo que promove a violência e a matança nos morros e favelas. Os estudantes sabem bem disso, e devem rechaçar esse projeto.

O presidente Bolsonaro e o governador do Rio de Janeiro comungam a mesma política de guerra contra a criminalidade. Acredita-se que, com as matanças diárias, o terror de Estado imporá a segurança pública, e atenderá aos anseios da classe média. A militarização da política e o fortalecimento do Estado policial seriam necessários diante do caos social. Na realidade, essa via expõe a incapacidade da burguesia de resolver o desemprego, subemprego, avanço da miséria e, portanto, debelar a barbárie social. 

No estado de São Paulo, o governador João Doria não tardou para implementar um projeto semelhante. Assim como Witzel, Doria elegeu o bolsonarismo como plataforma eleitoral, e venceu apontando para um recrudescimento da repressão aos movimentos sociais, incluídos aí os movimentos da juventude. Com investimento de R$ 59 milhões, João Doria e o secretário da educação, Rossieli Soares, anunciaram, em julho, o programa “Escola mais segura”, que colocará polícia da reserva dentro das escolas estaduais, contratará 622 PMs de folga, para fazer ronda em 216 escolas escolhidas, e dará acesso para a PM às câmeras de segurança das escolas. É uma verdadeira instalação de um estado de exceção e terror nas escolas estaduais. Além disso, o governador demonstrou a intenção de apresentar um projeto de lei com medidas mais severas para casos de violência e vandalismo. Novamente, o governo chama a causa de efeito, e pune o produto da decomposição social, o jovem pobre e explorado.

A presença da polícia dentro das escolas é nociva em muitos níveis, mas principalmente na violência direta, e na repressão aos movimentos estudantis e de professores. Apenas neste primeiro semestre de 2019, presenciamos a repressão policial dentro das escolas, em uma série de casos que mostraremos aqui rapidamente, como concretização deste argumento:

  1. Em Guarulhos/SP, na escola Frederico Brotero, a PM foi chamada pela direção para conter uma manifestação estudantil. O caso ficou conhecido pelos vídeos de um PM empurrando uma estudante com o cano do seu fuzil. 
  2. Na USP/FFLCH, a polícia entrou armada até os dentes para prender um estudante dentro da sala de aula.
  3. Em Fortaleza/CE, alunos se manifestaram contra a transformação das escolas em modelo de tempo integral, e sofreram repressão. 
  4. Na zona norte de São Paulo, um PM ressentido por ser chamado de coxinha, entrou na escola e agrediu um estudante. 
  5. Em Goiás, no IFG, uma professora foi presa por filmar a ação policial e defender os estudantes da repressão  dentro do campus.
  6. Prisão de estudantes em Carapicuíba/SP.

Isso apenas para mostrar alguns casos dos últimos meses. O combate a militarização da educação passa pela recusa intransigente de qualquer tipo de ingresso das forças militares e policiais nas escolas. A polícia é parte da causa da violência, não de sua solução!

 

A resposta proletária à militarização da educação

A ofensiva militarizante faz parte do recrudescimento da política geral e do aprofundamento da exploração capitalista do trabalho, produtos da crise econômica mundial. Bem como, faz parte do retrocesso da revolução proletária, e da profunda crise de direção revolucionária que enfrenta o movimento social. As organizações estudantis e sindicais encontram-se atoladas no reformismo, eleitoralismo e pacifismo, negando a luta concreta e os métodos próprios da classe operária, as greves, ocupações e manifestações massivas e combativas,  enfim, a ação direta. 

Dessa forma, nossa resposta ao brutal avanço da militarização da educação e das escolas deve ser uma resposta programática. Enraizada nos fundamentos do marxismo. A resposta começa pela necessidade e urgência de derrubar o modo de produção capitalista e instalar uma ditadura proletária para construção da sociedade socialista, baseada na coletivização dos meios de produção. 

A escola capitalista se assenta na divisão de classes e na separação entre a educação e a produção social, que se consubstancia na separação entre o trabalho manual e o trabalho intelectual. O estudante não vê sentido na pseudo produção de conhecimento nas escolas. E, quando trabalha, não vê relação com aquilo que aprende. A escola capitalista mutila os seres humanos que por ela passam. Marx, no capítulo 12 do O Capital, sobre divisão do trabalho e manufatura, diz,

A  manufatura propriamente  dita não só submete ao  comando e à disciplina do  capital o trabalhador antes independente,  mas, também, cria uma graduação hierárquica  entre os próprios trabalhadores. Enquanto a cooperação  simples, em geral, não modifica o modo de trabalhar do  indivíduo, a manufatura o revoluciona inteiramente, e se apodera  da força individual de trabalho em suas raízes. Deforma o trabalhador  monstruosamente, levando-o artificialmente a desenvolver uma habilidade parcial,  à custa da repressão de um mundo de instintos e capacidades produtivas“.

Dessa forma, defendemos uma plataforma de reivindicações para a educação, que parta das necessidades mais sentidas pela juventude oprimida, e se choque frontalmente com os interesses do grande capital, impulsionando as massas para a luta de morte que devemos travar contra o capitalismo.

Defendemos um sistema único de ensino público, gratuito, científico, laico, sob o controle dos que estudam e trabalham. A escola deve estar vinculada à produção social, unificando o fazer e o pensar, a prática e a teoria, acabando com a fragmentação do ser humano, e coletivizando o conhecimento. Nenhuma criança e jovem fora da escola;  nenhum jovem fora da produção social – quatro horas na produção e o restante na escola e lazer, salário de acordo com suas necessidades.

Defendemos a autonomia da educação frente ao estado capitalista. A organização básica dos jovens secundaristas está nos grêmios, independentes das direções e dos governos, com pautas próprias e livres. Contudo, o que vimos, desde as ocupações de escolas de 2015/2016, foi um amplo movimento dos governos em controlar os grêmios, seja através de sua burocratização, criando regras absurdas que impedem seu funcionamento na forma que acabamos de citar, seja pela sabotagem dos grêmios de luta, seja pela militarização direta, nas escolas “cívico-militares”, ou através dos chamados da PM, pelas direções, para agir em qualquer tipo de movimentação estudantil. 

Acesso  a todos  à educação,  em todos os níveis.  Que o Estado garanta esse  direito a todos que queiram continuar  os estudos. Expansão da rede escolar de  acordo com as necessidades, garantir as condições  materiais de ingresso. Fim da regulamentação que impede os jovens de voltarem à escola e cursarem a série em que  estavam. Fim da fragmentação entre os níveis de ensino, fundamental, médio e superior. Fim dos vestibulares e das avaliações  institucionais;

Devemos responder e barrar o avanço da ofensiva fascistizante e militarista dos governos burgueses na educação, apontando para a necessidade de vincular esta luta às lutas dos explorados em geral. A política no campo educacional está em total alinhamento com as diretrizes mais gerais do governo. E é justamente por isso que o movimento para barrar o avanço da militarização da educação não pode partir apenas dos estudantes e professores. Devemos levantar um movimento unificado para quebrar a espinha dorsal deste governo, as reformas trabalhista e da Previdência. As escolas militares fazem parte desse conjunto de ataques aos explorados. 

 

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