Monopolização na Educação: o caso da Kroton

O curso de formação política mensal, organizado pelo POR, se dedicou, desde o final de 2018 até setembro de 2019, ao estudo do livro de Lênin: “Imperialismo – fase superior do capitalismo”. Nas discussões coletivas, aprofundamos a compreensão dos principais conceitos presentes, sempre na perspectiva de compreender melhor a realidade para atuar de forma coerente e precisa. O estudo do marxismo deve partir da necessidade prática.

Para que o estudo fosse completo, seu fechamento se deu com uma pesquisa sobre a situação da concentração monopolista nos principais ramos da produção capitalista nos dias de hoje. Entre os vários ramos, o estudo procurou entender a situação da concentração de capitais na área da educação. Nesse sentido, o caso da Kroton é exemplar. Uma empresa monopolista, agressiva no mercado e que nos ajuda a compreender os principais conceitos da obra de Lênin sobre o imperialismo, como fase última do modo de produção capitalista.

O fato dessa concentração se dar fora do setor produtivo direto não diminui a importância desse processo. Como explica Marx, em O Capital, “(…) um mestre-escola é um trabalhador produtivo se ele não apenas trabalha as cabeças das crianças, mas extenua a si mesmo para enriquecer o empresário. O fato de que este último tenha investido seu capital numa fábrica de ensinar, em vez de numa fábrica de salsichas, não altera nada na relação”. Concretamente, vemos que as atuais fábricas de ensinar pouco ensinam, e acabam por fabricar diplomas que, em última instância, servem para reduzir ainda mais o valor da força de trabalho.

A Kroton Educacional é a maior empresa privada do mundo, no ramo da educação. Foi fundada em 1966, em Belo Horizonte, a partir de uma empresa Pitágoras de cursos pré-vestibular. Atua em todos os níveis escolares, e faz distribuição, no atacado, varejo, importação e exportação – de livros didáticos. Possui 143 unidades de ensino superior, presentes em 20 estados e 101 cidades brasileiras, além de 1.310 polos de Ensino a Distância (EAD).

Na compra da Unopar (gigante do EAD), em 2011, a Kroton passou a ser o segundo maior grupo de educação do país. Avançou para o setor de educação a distância, de onde obtém lucros maiores. Metade de seus alunos se enquadra nessa modalidade.

Em 2013, com o controle da Anhanguera, passou a ser a maior empresa de educação do Brasil. O evento foi comemorado pelo mercado, por fazer dela a 17ª maior empresa da Bovespa. Conta, entre seus investidores, com os fundos/bancos JP Morgan, Invesco, Coronation, Capital World e o BlackRock, os mesmos que podem ser vistos especulando nos mais diversos ramos da produção. Como Lênin escreve em seu livro, “os fatos são teimosos e, de uma forma ou de outra, há de tê-los em conta”, a concentração nasce da livre concorrência, e seu destino é o monopólio. Os dados da ascensão monopolista da Kroton confirmam isso de forma transparente.

Em 2017, a empresa, que já era a primeira no país, tentou comprar a segunda, a Estácio de Sá (436 mil matrículas em 2016), empresa também monopolista que, no mesmo período, vinha comprando escolas e faculdades pequenas. O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) barrou a compra, e a Kroton teve de mudar sua estratégia. Ao ver seu desejo de expansão barrado pela legislação, estende seus tentáculos para a educação básica, e para a produção de materiais didáticos e sistemas de ensino. No Brasil, 75% do ensino superior é privado, mas 82% da educação básica é pública.

Em uma audiência pública, o CEO da empresa, Rodrigo Galindo, disse: “passamos um ano e meio criando um plano de negócios para entrar no ensino básico”. Como se vê, a educação tem despertado poderosos interesses mercantis, contrapostos ao sistema público. Pois bem, a empresa se consolidou como a maior do mundo no ramo educacional, ao comprar a Somos Educação (antiga Abril), dona das marcas, Saraiva, Scipione, Ática, Ético, Colégio Anglo, Anglo Vestibulares e Sistema Anglo de Ensino. Dessa forma, ampliou seu rebanho, de 1 milhão de estudantes, para mais de dois milhões. A Somos tem uma enorme projeção na venda de materiais didáticos e sistema de ensino, para todo o Brasil.

Como a Kroton conseguiu atingir valores tão elevados de concentração, valendo cerca de R$ 22 bilhões? Alguns elementos podem ser levantados, como a relação dos monopólios com o Estado, o aproveitamento das crises e quebras dos menores, a especulação, etc.

O Estado brasileiro foi o principal financiador do monopólio da Kroton, através de seus programas sociais. O Prouni, Fundo de financiamento estudantil (Fies) e Plano Nacional do Livro Didático (PNLD) são as maiores fontes de transferência de recursos públicos para a iniciativa privada na área da educação.

O crescimento da Kroton está intimamente ligado a essas políticas. Só no primeiro semestre de 2018, a empresa recebeu mais de R$ 1 bilhão, e a segunda maior do Brasil, a Estácio de Sá, mais de R$ 300 milhões, do Fies. O lucro líquido, neste mesmo ano, foi de R$ 1,9 bilhão. O Estado, tanto nos governos o PSDB, PT, MDB e agora PSL, financiou e financia o processo de monopolização da educação.

Com livros didáticos e outros recursos, o governo gastou, em 2018, R$ 1,4 bilhão, sendo R$ 244 milhões para a Ática (Somos Educação), R$ 100 milhões para a Scipione (Somos Educação), R$ 200 milhões para a Saraiva (Somos Educação). Isso mostra o quanto o processo de concentração do capital monopolista da Kroton se ampliou com a extensão do “plano de negócios” para o ensino básico.

No capitalismo, em sua fase última, não existe livre concorrência, não existe a possibilidade de uma pequena empresa resistir por muito tempo, ao lado de outra monopolista. O controle das diferentes etapas da produção e distribuição, e os preços que os monopólios conseguem alcançar (devido à superexploração do trabalho) são inviáveis para os concorrentes. Para Lênin, o que existe de fato é “o estrangulamento, pelos monopolistas, de todos aqueles que não se submetem ao monopólio, ao seu jugo, à sua arbitrariedade”. Desta forma, os monopólios se beneficiam das crises. Os dados demonstram que a Kroton se consolidou, justamente no avanço da crise econômica no país. Várias faculdades e escolas compradas estavam afundadas em dívidas.

O fato do imperialismo ser a fase última do capitalismo, não implica que devemos apenas esperar sentados pelo seu fim. Pelo contrário, significa que as condições já estão maduras e até apodrecidas, e que diversos elementos da barbárie capitalistas já podem ser vistos, mas é preciso organizar a luta para desfechar o golpe final neste sistema decadente, que vai ao ponto de decompor o sistema educacional público, e suprimir as relações mais elementares da aprendizagem científica. O monopólio nasceu da concentração, e trouxe consigo a socialização da produção, mas que ainda está sob o domínio da apropriação privada. A luta no campo da educação deve ser pela expropriação sem indenização de toda a rede privada de ensino, incluindo aí os monopólios deste setor. A defesa ou a adaptação diante da coexistência do ensino estatal com o ensino privado conduz ao fortalecimento dos monopólios. A bandeira de sistema único, público, científico, vinculado à produção social e controlado pela classe operária é uma tarefa democrática, que faz parte do programa da revolução social, da transformação da propriedade privada dos meios de produção em propriedade socialista. Essa é a resposta que encontramos na teoria marxista-leninista do imperialismo.

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